quarta-feira, 30 de novembro de 2011

I Encontro cristão: Somente pela Graça

Cair no Espirito

imageMuito tem se falado nos últimos dias sobre a prática de “cair no espírito”. Continuamente nos questionam: “existe apoio Bíblico para o que se observa em algumas igrejas?” Para responder tal indagação é necessário buscarmos a gênese dessa prática, que se metamorfoseou em um movimento que ganhou o epíteto de “cai cai”.
Apesar de não ser algo novo, o “cair no espírito”, assim nominado, passou a se tornar famoso em 1994, devido aos cultos realizados no templo da Igreja Comunhão da Videira do Aeroporto de Toronto, no Canadá, que dava farta ênfase as manifestações físicas do que se acreditava ser uma poderosa obra do Espírito de Deus.
Logo os cultos naquela localidade passaram a se tornar bastante concorridos; com avidez as massas fizeram do “cair no espírito” um sonho de consumo, um novo manancial, ou o que costumamos chamar: uma sobrebenção. E foi justamente por esse viés que a Igreja do Aeroporto, como hoje é conhecida, tornou-se célebre em todo o mundo.
Não nos cabe nesse espaço criticar, nem denegrir a imagem de ninguém, pois já existe muita gente fazendo isso, o que é interessante que se faça é uma análise neotestamentária do assunto, não com o intuito de ridicularizar quem quer que seja, mas buscar o esclarecimento através de uma análise lúcida e extremamente Bíblica, a fim de que o leitor que é amante da palavra de Deus possa ser incitado à reflexão e ao pensar Bíblico.
Cair na presença de Deus
Nos limitaremos a tratar dos episódios neotestamentários registrados antes de Pentecostes e depois de Pentecostes, pois se você é cristão, urge compreender que o cristão está debaixo da nova aliança instituída por Deus (Hb. 8.6; 12.24), outrossim, é pertinente a observação dos contextos em que cada episódio se deu, as reações dos personagens neles inseridos, bem como, os resultados advindos de tais fatos.
Paulo
A experiência de Paulo é um exemplo magnífico de quem se encontra com Deus, ele cai por terra não por causa do Espirito que vem sobre ele, mas pelo resplendor de luz que o cerca, deixemos o texto falar por si só: “Ora, aconteceu que, indo eu já de caminho, e chegando perto de Damasco, quase ao meio-dia, de repente me rodeou uma grande luz do céu. E caí por terra, e ouvi uma voz que me dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? E eu respondi: Quem és, Senhor? E disse-me: Eu sou Jesus Nazareno, a quem tu persegues” (At. 22.6-8).
É interessante que se observe que Paulo cai por terra, porém mantém a lucidez, sabe perfeitamente o que está acontecendo a sua volta. Também deve se destacar que nesse momento ele não recebe o Espírito de Deus, tão somente é despertado de sua cegueira espiritual, alguns dias depois será batizado nas águas confessando seus pecados e passará a ser um templo cheio do Espirito de Deus.
“E Ananias foi, e entrou na casa e, impondo-lhe as mãos, disse: Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que te apareceu no caminho por onde vinhas, me enviou, para que tornes a ver e sejas cheio do Espírito Santo. E logo lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e recuperou a vista; e, levantando-se, foi batizado” ( At. 9.17,18).
João
É relevante observar que o encontro de Paulo e João com Cristo, não é meramente um encontro com o Nazareno, mas o encontro com o Jesus glorificado, ambos veem um resplendor de luz: “me rodeou uma grande luz do céu. E caí por terra” (Paulo). “E o seu rosto era como o sol, quando na sua força resplandece. E eu, quando vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me: Não temas; Eu sou o primeiro e o último” (João). Ap. 1.16,17.
No caso de João, ele havia andado com Jesus “nos dias da sua carne” (Hb. 5.7), havia estado no cenáculo no dia de Pentecostes, porém, o que o fez cair por terra foi o resplendor de luz do rosto de Cristo, o qual era “como o sol em sua força”, ou seja, foi uma situação atípica, não vemos nenhum desdobramento disso no ministério Joanino.
O cair pela glória de Deus não mais se repetiu no ministério de Paulo e muito menos no ministério de João, não vemos nem um ensinamento dos apóstolos com relação a esse fenômeno. Jamais se deve tomar fatos isolados e torná-los doutrinas, exigindo-se a prática comum em culto de algo que foi uma manifestação momentânea, com um propósito específico, que no caso de Paulo, foi revelar-lhe Jesus como o Senhor e a Igreja como o seu povo; e no caso de João, a revelação última do Cristo ressurreto e glorificado.
A manifestação do Espirito Santo hoje
Mesmo que um fato como esse ocorresse hoje, jamais teria em si próprio força de lei para ser legitimado como uma doutrina, pois essa seria uma operação incomum do Espírito Santo como já observamos - o qual dispõe os dons e suas manifestações conforme sua vontade soberana: “Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer” ( I Co. 12. 11)- E que com certeza careceria de um “Paulo” para pô-la em ordem, evitando os excessos.
A psicologia e as manifestações dos dons
O que se deve levar em conta é que cada individuo tem sua maneira de reagir a determinadas situações; cada ser humano tem sua particularidade de temperamento.
Há os sanguíneos, que são indivíduos geralmente alegres, porém, passam desse estado para a ira com muita rapidez, respondendo aos estímulos exteriores como muita facilidade. Há também os coléricos, cujo ponto forte é sua força de vontade por vezes indômita, entretanto, como o nome já diz, são propensos a cólera, se irritam com facilidade e tem arroubos de prepotência. Já os melancólicos são perfeccionistas, habilidosos, dedicados, entretanto tendem a serem inclinados a depressão e a se tornarem pessoas de comportamento anti-social. Há ainda os fleumáticos, que são aqueles que tem frieza de ânimo, são extremamente tranquilos, mansos e de fácil convivência, no entanto, são também desconfiados, com inclinação a desanimar com muita facilidade.
Logo, não se deve exigir, de quem quer que seja, uma reação uníssona no que tange as respostas psicológicas das operações do Espírito Santo, já que o temperamento de cada um o inclinará a uma determinada postura. O que as Escrituras falam com clareza é da necessidade de pôr essas reações em sua devida ordem para que o culto seja inteligível e edificante (I Co. 14.19 e 26).
Antes de Pentecostes
“E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” (Jo. 20.22).
Essa é uma passagem bastante singular. Aqui os discípulos ainda não haviam estado em Pentecostes, recebem o Espirito como um sopro, mas não como um dom como se dará no cenáculo.
Claro que há muito o que se observar nessa passagem, porém de modo particular o que queremos enfatizar aqui é a reação do discípulos diante dessa obra do próprio Cristo, pois o texto continua com asseverações de Jesus quanto a postura dos apóstolos diante dos desafios que, como Igreja do Senhor, enfrentariam; em nenhum momento, porém, se afirma que eles caíram por terra devido ao sopro do Espirito inculcado pelo mestre.
Depois de Pentecostes
“Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?” ( I Co. 6.19).
A partir do Pentecostes o Espirito Santo veio habitar na Igreja de Cristo e em seus membros em particular; do Pentecostes em diante a Igreja não tem mais apenas sopros e lampejos do Espirito como no antigo concerto, também o poderoso Espirito de Deus não é mais apenas um mero visitante do povo de Deus, e sim aquele que habita nele.
“E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre; O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós. Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós. Ainda um pouco, e o mundo não me verá mais, mas vós me vereis; porque eu vivo, e vós vivereis. Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós” (Jo.14.16-20).
No texto supra mencionado Jesus está dando a promessa do Espírito que seria derramado no Pentecostes, o mesmo Espirito que estava nele agora estaria na Igreja. Uma promessa de tal magnitude como essa é algo inédito na história do povo de Deus. A exceção do próprio Cristo, Deus nunca havia prometido fazer morada nos homens, no máximo ele havia estado entre eles, entretanto, agora estaria neles. “Aos quais Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, esperança da glória” (Cl. 1.27).
Há algumas perguntas que todos nós devemos responder com relação a qualquer prática da Igreja hoje: Ela é uma doutrina dos apóstolos? Foi algo praticado por eles pelo menos três vezes? Paulo o apóstolo dos gentios (nosso apóstolo) praticou? O que ele tem a dizer sobre isso?
Vamos então a algumas respostas Paulinas.
Paulo e a ordem do culto
A Igreja de Corinto apresentava muitas manifestações do Espirito Santo, Paulo chega a dizer que com relação aos dons não lhes faltava mais nada: “De maneira que nenhum dom vos falta, esperando a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo” ( I Co. 1. 7).
Embora fosse uma Igreja que carecia muito de maturidade, era cheia de operações do Espirito Santo, os quais muitas vezes eram exteriorizados com muito emocionalismo fazendo com que o culto se torna-se extremamente desorganizado.
O apóstolo adverte que se a Igreja estiver cultuando a Deus e todos ou pelo menos a maioria, falar em línguas e pessoas descrentes presenciarem o falar “estranho” dos irmãos dirão sem sombra de dúvidas que estão loucos: “Se, pois, toda a igreja se congregar num lugar, e todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou infiéis, não dirão porventura que estais loucos? (I Co. 14.23).
Aqui ainda que de forma implícita, paulo já está falando em se fazer as coisas de forma ordeira, a fim de que o resultado seja sempre o louvor a Deus e a glória do seu nome. No versículo 26 é dito que cada um dos membros tem algo a apresentar no culto seja salmo, doutrina, revelação...
Imperiosamente o apóstolo adverte que tudo seja feito para a edificação, cujo sentido, na mente de Paulo, é como de uma construção de um prédio, ou seja, tudo o que for dito e realizado no culto deve ter como alvo o crescimento espiritual e o amadurecimento do povo de Deus. Logo em seguida é dito que se houver línguas estranhas deve haver quem as interprete, se não houver aquele que fala deve ficar calado, falando consigo mesmo. Paulo claramente está enfatizando o controle e a organização. (Vers.28).
Há ainda algo muito pertinente revelado nesse texto: “E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas.” (I Co. 14. 32). Deus em momento algum deixa os seus filhos fora de si e sem controle da situação, antes dá a eles pleno domínio dela. Não negamos de forma alguma as diferenças psicológicas, de temperamento, porém acentuamos a importância inexorável da verdade do que está exarado no versículo ora apresentado: O cristão no momento em que fala línguas é plenamente senhor da sua consciência.
O motivo das desordens
Então por que as desordens? Pelo simples fato de se desconhecer a palavra de Deus ou não querer obedecê-la, dando mais importância ao culto “espetáculo”, cujo centro é o homem e cujo interesse é envolver pelo emocionalismo em detrimento da pura e simples exposição da Escritura, que a propósito exara: “Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos (I Co.14.33). E mais adiante: “Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” ( I Co.14. 37).
O que podemos concluir de tudo que foi analisado com relação a resposta de cada indivíduo ao mover do Espirito, é que as reações em si e por si só nada acrescentam e nem diminuem a vida espiritual de que quer que seja, entretanto, podem demonstrar falta de ensinamento bíblico saudável, como também carência de maturidade cristã, e por vezes descontrole emocional, no que pode resultar em crentes que as escrituras chamam de “meninos no entendimento” (I Co. 14.20).
O mal que seguramente é produzido através de práticas equivocadas, é valorizar sempre o pragmatismo do “eu senti, por isso é verdadeiro” e da histeria coletiva que toma conta da igreja que entra por esse caminho.
Entendemos que a emoção tem o seu lugar no culto, todavia nunca o emocional e o descontrole devem sobrepujar o inteligível e o verdadeiramente espiritual. “Mas faça-se tudo decentemente e com ordem” (I Co.14.40).
Wanderley Nunes.