domingo, 12 de fevereiro de 2012

Existe pecado maior ou menor?


No início da era da Igreja se falava em pecados veniais, aqueles ditos mais “leves”, “perdoáveis” e em pecados mortais, para os quais não havia perdão. Ainda hoje o catecismo católico trata desse tema, mas a grande questão é : O que as Escrituras falam a respeito? Há diferença nos pecados? Deixemos a Bíblia falar.
“Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus” ( Mt. 5.19).
“Portanto, eu vos digo: Todo o pecado e blasfêmia se perdoará aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos homens. E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro” ( Mt.12. 31,32).
“Respondeu Jesus: Nenhum poder terias contra mim, se de cima não te fosse dado; mas aquele que me entregou a ti maior pecado tem” (Jo. 19.11).
Nos três textos citados fica explícito que Deus faz diferença sim entre a gravidade e o tipo de pecado. Em Mt. 5.19 podemos observar que há no pensamento de Jesus mandamentos maiores e menores, isso é ratificado em Mt. 22. 35-40. As Escrituras declaram que toda a plenitude de Deus habitou em Jesus (Cl. 1.19), assim como no corpo dele Deus habitou totalmente (Cl. 2.9).
Logo, havia diferença entre um ataque pessoal ao Jesus homem, porém, resistir a palavra do Senhor e reputar as obras do Espírito Santo em Cristo como obras do diabo, era blasfemar contra Deus, e consequentemente pecar para a morte (Mc.3. 29; I Jo. 5.16).
Seguindo essa linha de pensamento podemos observar que uma atitude de resistência ao Espírito de Deus, não dando ouvidos a sã doutrina, caracteriza o incrédulo e pecador : “Quem é de Deus escuta as palavras de Deus; por isso vós não as escutais, porque não sois de Deus”. Jo. 8.47.
Mateus 5.27, 28
“Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela”. (Mt. 5. 27, 28). Este é sem dúvida, um dos textos mais usados para se argumentar que todos os pecados são iguais, entretanto, qual é o seu real contexto, a que ele se refere?
No versículo 20 do referido capítulo Jesus afirma que a justiça dos seus discípulos deveria exceder a dos escribas e fariseus, e há inclusive, uma boa explicação para tal afirmação. Os religiosos da época de Jesus viviam uma fé exclusivamente legalista e ritualista, onde não havia lugar para o que vinha do Espírito (Mt. 23.1-7).
Jesus então mostra-lhes que não basta possuir uma religião austera e sacramental, isso não muda o coração do homem, no máximo ele será “educado” na sua religião, o mal que porventura exista (e existe!) não será vencido com penitências, jejuns, vigílias e afins. O pecado só perde sua força mediante o novo nascimento, e isso, só Deus faz.
Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome; Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus (Jo.1.12,13).
Logo, o que Mt. 5. 27, 28 retrata é a excessiva pecabilidade do homem e a inutilidade de uma religião meramente formal, que desprovida de uma ação do Espírito não possui poder para mudar o lugar de onde brotam as maldades humanas: O coração. Aqui cabe perfeitamente a asseveração do mestre : Abandonar apenas a prática não livra da maldade que é peculiar ao homem que não nasceu de novo. Se pode refrear a prática pecaminosa a título de uma santidade cristalizada pelo dogma, embora se continue pecando no campo das ideias e intenções.
O adultério, ao qual Jesus se refere, foi no “coração”, enfatizando a maldade interior, já que mais adiante Paulo, inspirado pelo mesmo Espírito Santo que estava em Cristo, fala da gravidade que é pecar contra o próprio corpo : “Fugi da prostituição. Qualquer outro pecado que o homem comete, é fora do corpo; mas o que se prostitui peca contra o seu próprio corpo”. (I Co.6.18).
Tudo isso só reforça a ideia de que na verdade, há sim pecados maiores e menores. Ter desejos condenáveis pelas Escrituras é grave, porém cometer o pecado de fato, é muito mais grave. É claro que há a necessidade de se vencer o mal no âmbito mais importante e decisivo para a vida cristã: No coração.
“Guarda com toda a diligência o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida”.(Pv.4.23.)
O pecado para a morte
“Se Se alguém vir pecar seu irmão, pecado que não é para morte, orará, e Deus dará a vida àqueles que não pecarem para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que ore.” (I Jo. 5.16.).
O texto Joanino parece iniciar com uma incongruência no que concerne ao pensamento do apóstolo, já que seus escritos de forma enfática apontam sempre para a segurança do cristão com relação a sua salvação e posição em Cristo (Jo. 5. 24, Jo.10.28, I Jo. 5. 13). Ele chama aquele que não pecou para a morte de irmão, no entanto, diz que se esse irmão não cometeu tal pecado deve-se orar por ele para que tenha vida.
Podemos observar claramente que o termo “irmão” aqui não está sendo usado no sentido de comunhão na fé, essa pessoa não é um cristão, pois no versículo 11 até o 13 do mesmo capítulo o apóstolo afirma que em Cristo temos a vida eterna, enquanto que esse “irmão” não tem vida espiritual, está morto.
“Se alguém vir seu irmão cometer um pecado que não é para morte, pedirá, e Deus dará a vida àqueles que não pecam para a morte”. (I Jo.5.16). Concluímos então que o termo “irmão” aqui está sendo usado em um sentido cortês, é como se dissesse “amigo”, “próximo”.
O ponto a ser aclarado é : “há pecado para morte, e por esse não digo que ore”. Outra vez podemos compreender o texto a partir do seu contexto. O versículo 18 diz que aquele que é nascido de Deus não peca, e é lógico que está falando do pecado que é para morte, pois o mesmo João na mesma epístola afirma categoricamente que todos nós pecamos e que se alguém diz que não peca é mentiroso (I Jo.1.8, 10).
Mediante o que vimos, temos condições de perceber que o cristão, aquele que é nascido de novo não pode pecar para a morte (leia o texto: Há pecado maior ou menor?), pois o Senhor o guarda e o maligno não lhe toca. Somente não sendo de Deus é que se pode resistir a sua voz e ultrajar o Espírito da graça (Jo. 8.47, Hb. 10.29), recebendo como recompensa a morte eterna.
Tg. 2.10
“Pois qualquer que guardar toda a lei, mas tropeçar em um só ponto, tem-se tornado culpado de todos.”
Para que comecemos entender Tg. 2.10 se faz necessário compreendermos que basicamente se trata de um escritor judeu-cristão, vivendo em um período em que ainda se desconhecia a teologia Paulina. Percebemos isso em seu estilo literário recheado de sentenças e máximas muito próprias do livro de provérbios.
A despeito de querermos analisar o verso 10, é imprescindível retrocedermos ao versículo 2 do mesmo capítulo, onde Tiago, por força do costume, chama o lugar de culto dos cristãos de “sinagoga”, traduzido equivocadamente em algumas versões em português como “vosso ajuntamento” ou “vossa reunião”. Tal expressão explicita um judaísmo muito presente no pensamento do líder de Jerusalém, assim como todo o desenvolvimento do seu escrito.
É relevante observar que Tiago está tratando da questão de se fazer acepção de pessoas. Vale ressaltar também, que esse apóstolo procura em toda a carta por uma convivência harmoniosa do cristianismo com o judaísmo, mesmo demonstrando em seu linguajar estar muito arraigado as suas raízes judaicas .
Ao combater a acepção de pessoas ele afirma que o que deve guiar o povo de Deus é o mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv.19.18). Sua argumentação segue no viés da moral e da ética, apelando sempre para o pensamento de que os “detalhes” da lei, no sentido em que retratam Deus em sua santidade interagindo com seu povo, não devem ser jamais desprezados.
Relegar tais “minúcias”, seria o mesmo que menoscabar a Deus e o seu caráter. Tiago apela então para o legalismo judaico a fim de preservar o espírito da lei, demonstrando que não basta o refrear algumas práticas condenadas pela torá, sem no entanto, ter comunhão com o Espírito que a inspirou. Seria como tentar fazer um leão aderir a natureza de um cão poodle permanecendo como um leão, o que seria uma tarefa impossível. O leão precisaria se transformar em um poodle, caso contrário, jamais sua natureza leonina poderia ser mudada.
Diferente daqueles que defendem um legalismo rígido nesse escopo textual, o que se depreende da assertiva do apóstolo é uma ênfase à impossibilidade de se cumprir a lei seguindo parâmetros meramente religiosos em nome de uma legalidade engessada e privada do Espírito.
Não sem razão, Tiago afirma que a igreja honra os ricos em detrimento dos pobres, muito embora, sejam eles os que os oprimam e os levem aos tribunais. Com isso, o escritor sacro está afirmando incisivamente que do mesmo modo que alguém pode não cometer adultério, porém ser homicida, aqueles estavam fazendo acepção de pessoas, e a despeito de serem guardadores rígidos da lei, estavam sendo julgados pela lei como transgressores.
Da mesma forma, guardando esses preceitos formais (não matar, não adulterar, etc...), entretanto, não amando ao próximo, que para Tiago é a lei “real”, leia-se: A verdadeira lei, ou lei maior, é pecar contra o promulgador dela. Assim, o que se pode observar é que o apóstolo direciona sua atenção ao Senhor, por isso diz : “O mesmo (Deus) que disse : Não adulterarás, também disse: Não matarás” (Tg.2.11).
O capitulo 2.1-13 por si só demonstra haver pelo menos um mandamento maior, que é o do amor ao próximo, sendo ele a base de sustentação de toda a lei. De nada vale uma lei pétrea que prescinde de um mandamento maior, o qual retrata sem prolegômenos o real caráter do seu legislador. Por essa ótica, se pode concluir que Tiago 2. 10 diz, e muito claramente, que o cristão reflete em amor e misericórdia a figura do seu Deus, pois ele é amor.
Pr. Wanderley Nunes.