terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Igreja e homoafetividade

Neste momento de tanta controvérsia, quando a liderança evangélica se autoproclama defensora da  moral e dos bons costumes da família brasileira, sobretudo se lançando em fúria desdenhosa contra os relacionamentos homoafetivos, venho, neste espaço, declarar minha total repulsa a tal movimento, que nem de longe representa o ideário do povo cristão, muito menos apresenta  qualquer similaridade com o Evangelho de Jesus Cristo, o qual sempre atendeu aos anseios das  minorias, surpreendendo-as com um amor que chegava a possuir nuanças poéticas, de tão desambicioso e apolitizado que era.

O que temos observado é que um incidente (ou não seria um acidente?) catapultou personagens políticos, até então de exígua expressão ao “seleto” clã dos figurões nacionais. Na verdade se  descobriu nesse entrevero acidental, uma riquíssima “casa da pólvora”, capaz de abastecer a gana  guerrilheira de sede por poder político, custe o que custar. E se a bola da vez é o casamento homoafetivo, ou a PL 122, melhor ainda.

Seguindo os ditames desses líderes, se deve olhar para os homoafetivos como dalits, seres inferiores. E é precisamente aí que o engendramento político-religioso ganha força, justamente no ponto em que deveria ser mais fraco. Mais fraco na discriminação, mais fraco no ódio, mais fraco no revanchismo. A “igreja” que segue as ordens veladas desses “formadores de opinião”, não deveria se autoproclamar igreja, pois as prerrogativas que estão sendo usadas apontam muito mais para uma ética nietzschiana, em que o altruísmo é uma fraqueza, e a moral invenção dos fracos.

A reação dos LGBTs ante a eleição para a Comissão dos Direitos Humanos e Minorias (CDHM) de alguém que lhes parece na prática contrário aos seus direitos, seria de se esperar, pois é comum a qualquer grupo social  cristão ou não - ou que tenha em sua membresia diversidades de crenças,  sentindo-se vilipendiado em seus direitos enquanto cidadãos - protestar e rechaçar veementemente  atitudes que sentem preconceituosas. Por outro lado, a recíproca por parte da igreja nunca deveria  ter acontecido.

Seria uma vitória da igreja e porque não dizer, da fé cristã, o assentimento a união civil dos homoafetivos, pois o que está em jogo são os direitos do cidadão, e sobre isso igreja alguma tem o direito de arbitrar. O cidadão, hétero ou homossexual, deve ter o poder de escolher com quem se une e para quem deixa sua herança, sem que para isso necessite aríetes jurídicos para se livrar dos nós dados pelo setor que mais deveria fazer bulha por democracia e igualitariedade.

Jesus Cristo, a figura basilar da fé cristã, foi antes de tudo um cidadão judeu, observador das rígidas  regras da Torah, todavia, não literalizou, muito menos necrosou a palavra, antes a viveu no espírito do amor gracioso de Deus.

Para Jesus mais importante do que apedrejar a adúltera era conceder-lhe a oportunidade de rever seus conceitos; mais importante do que expor ao ridículo um famigerado cobrador de impostos, era  se auto convidar para jantar e dormir em sua casa, gerando no publicano um processo reflexivo decorrente de acolhimento e desvelo inesperado por parte daquele que mais possuía condições  éticas e morais para condená-lo.

A liderança da igreja, hoje, no mesmo espírito dos escribas e fariseus da época de Jesus, fazem vistas grossas ao genuíno discurso e prática do grande mestre. Isso se torna patente quando há uma acurada análise da vida que Cristo viveu e seu trato com todo aquele que ia ao seu encontro com pureza de alma, em busca de alívio e paz.

A Igreja logo cedo desaprendeu a misericórdia e graça da ética de Cristo, e se não adulterou os textos bíblicos por causa do seu medo de assumir um Jesus sem preconceitos, pelo menos suavizou  algumas traduções, as quais, exegeticamente deixam à mostra um Nazareno muito menos mítico-religioso, que ama ao que mais necessita ser amado e que é bem mais humano e identificado com as dores dos menos favorecidos e alijados socialmente. Isso, se lido assim, de forma menos religiosa e mais crua.

Jesus era alguém de fato interessado no próximo, apenas pelo próximo que esse alguém era. No episódio registrado em Mateus 10.5-13, um centurião romano é senhor de um escravo jovem, que no texto grego deixa pouca margem para se negar haver um relacionamento homoafetivo entre ambos, porém, o que Mateus corajosamente parece demonstrar é como o messias era acolhedor, definitivamente ele não era homofóbico.

Tendo Jesus entrado em Cafarnaum, apresentou-se-lhe um centurião, implorando:
Senhor, o meu criado ( παις= amante) jaz em casa, de cama, paralítico, sofrendo horrivelmente.
Jesus lhe disse: Eu irei curá-lo.
Mas o centurião respondeu: Senhor, não sou digno de que entres em minha casa; mas apenas manda com uma palavra, e o meu rapaz ( παις= amante) será curado.
Pois também eu sou homem sujeito à autoridade, tenho soldados às minhas ordens e digo a este: vai, e ele vai; e a outro: vem, e ele vem; e ao meu servo( δουλος= escravo, servo) faze isto, e ele o faz.
 Ouvindo isto, admirou-se Jesus e disse aos que o seguiam: Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei fé como esta. Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes. Então, disse Jesus ao centurião: Vai-te, e seja feito conforme a tua fé. E, naquela mesma hora, o servo( παις= amante) foi curado. (Mt. 8. 5-13)

Jesus não foi preconceituoso, o que se pode notar é o quanto Jesus foi gracioso com o centurião atendendo a um pedido de socorro.

Conforme observamos, só Mateus usa o termo παις (pais – termo grego para “amante”), o qual apontava 90% das vezes para um relacionamento homoafetivo, sempre empregado para um servo jovem, usado sexualmente, algo comum na cultura de alguns povos daquele tempo. Os Judeus para os quais o Evangelho de Mateus foi escrito, eram familiarizados com essa situação dos soldados Romanos.

Por isso, o evangelista usa o termo παις (pais = amante) sem pudor algum. Quando o centurião fala no mesmo texto sobre os outros que lhe obedecem usa a palavra δουλος (doulos = servo, escravo). Os demais Evangelhos dirigidos a outros públicos, evitam a palavra παις (pais= amante), usando o termo υιος (huios = filho) traduzido sem ensejar outro sentido. O grande exemplo disso é Jo. 4.46. Já Lc. 7.2 substitui παις (pais = amante) por δουλος (doulos = servo, escravo).

Como judeu, Jesus sabia da rudeza da lei com relação a homoafetividade, isso todos sabiam. Ele sabia também quanto essas pessoas já sofriam em si mesmas por assumirem sua opção sexual. Não precisavam de mais condenação e sim de amor. Se Jesus, o mestre por excelência, não desejou condenar o centurião condenado pela sociedade judaica do seu tempo, não deveria ser a posição da igreja no mínimo similar à do seu líder maior?

Não queremos, como cristãos que somos, que a Bíblia, nossa regra mor de fé e prática, seja desprezada, é direito da igreja enquanto cidadã poder realizar o seu culto e liturgia conforme preceitua as Escrituras. Nelas não há anuência ao casamento de pessoas do mesmo sexo.

Se constitucionalmente a Igreja tem o direito de realizar o cerimonial idílico daqueles que fazem parte da sua membresia, os quais, acatam uma visão heterossexual do casamento, e por conseguinte declinar do convite a realização de casamento homoafetivo, do mesmo modo, aquele que não esposa a mesma fé, tem democraticamente o direito de unir-se civilmente com quem desejar sem a intervenção das instâncias religiosas as quais não estão ligados.

Vivemos pelo menos em tese, em uma democracia, devemos então exercitá-la a partir do princípio da equidade. Se há direitos, eles são comuns a todos. Não é porque creio, que o meu crer torna-me socialmente superior ao ceticista, antes sua descrença deve servir de cercas fronteiriças à minha, por vezes, destemperada credulidade.

Paradoxalmente, minha postura crédula como militante a serviço do etéreo, de forma cristocêntrica sempre me conduzirá aos pés do eterno e aos braços e abraços daquele que difere, possibilitando em muitas ocasiões a descrença da descrença. Quando isso acontece, percebe-se a vitória do amor, do respeito e da cidadania, por conseguinte, a vitória do bem comum. Assim penso Cristo, assim penso a igreja.

Wanderley Nunes.

BATISMO 26/01/2014

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