quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A dor que necessito



É fato que o sofrimento, a tragédia, a dor da perda, geralmente produzem revolta; é fato também, que alguns sabem lidar melhor com as decepções e vicissitudes da vida. É a partir das reações e respostas positivas destes últimos à sua dor pessoal, que tanta gente tem sido socorrida e tem amainadas as suas agruras através da solidariedade do seu “irmão de dor”.

Para o corpo humano sentir dor é algo imprescindível. A Sociedade Americana de Dor (American Pain Society) e a Direção Geral de Saúde de Portugal, colocaram a dor no posto de quinto sinal vital, precedida pela pressão sanguínea, frequência cardíaca, respiração e temperatura. [1] Não sentir dor ou não ter sensibilidade a ela, ao contrário do que se possa imaginar, não é um privilégio, mas um prejuízo.

Para um ser humano, não sentir dor alguma redunda em autodestruição, em perda de parâmetros entre o real e o imaginário, entre a sensibilidade sem máscaras da vida e a insensibilidade ilusória e destrutiva do não sofrer.

A doutora Felícia Axelrod, do Centro Médico da Cidade de Nova York relata o caso estarrecedor do menino Felipe Garcia.

[…] Felipe, 9 anos, morava com a família num circo na cidade de Chihuahua, norte do México. Entre as atrações, estavam leões descritos como perigosíssimos, mas que na verdade sofriam pela falta dos dentes da frente, um globo da morte com 3 motociclistas, e “o incrível menino que se prega”. Quem pagasse o equivalente a R$ 5 para ver o show de Felipe não tinha como não sair impressionado.
O menino estendia a mão sobre a mesa de madeira e pregava 1, 2, 3 pregos nas dobras dos dedos da mão. Como era imune à dor, não soltava um único grito durante o espetáculo. Algum tempo depois, convidava a plateia para comandar o martelo. Aí, a coisa ficava ainda pior. O suposto voluntário, que na verdade era um funcionário do circo, errava de propósito a martelada e acertava um prego em um dos braços do menino, que continuava estático como se nada tivesse acontecido. Ao final, o público aplaudia com entusiasmo.
[2]



O que na verdade estava por trás desse feito do menino era a analgesia congênita, uma rara doença. Seus portadores não sentem dor e não percebam também as mudanças de temperatura, ficando assim sujeitos a acidentes, queimaduras e lesões que facilmente podem os levar à morte.

Nesse caso, não sentir dor é uma tragédia, até porque sentimos dor desde o nascimento. A criança para se adaptar à vida fora do útero, precisa abrir os pulmões e expulsar o líquido amniótico, e isso não acontece sem dor, inclusive ela é a indutora de todo o processo.

A dor, ao contrário do que se pode pensar, é protetiva. Ela indica que algo está errado, para que se possa tomar as providências cabíveis. Ao falarmos em dor não podemos nos furtar de fazer referência às dores da alma, que tanto solapam a sociedade moderna, como a depressão e os transtornos psiquiátricos.

Tudo isso patenteia o fato de que não há vida sem dor, posto que ela é o contraponto da felicidade e o norte que lhe dá significância. 

Ainda que o homem viva muitos anos, regozije-se em todos eles; contudo,
deve lembrar-se de que há dias de trevas, porque serão muitos.
[3] 


Qualquer discurso religioso ou filosófico, que fale de uma vida hedonista e isenta de dores, sem dúvida alguma, poderá ser taxado claramente de falacioso e/ou fanaticamente delirante.

Devemos apegarmo-nos a vida, sim; celebrando-a sempre; não esquecendo da dor, inevitável, remansado-nos com a morte, destino final de quem vive, alegrando-nos na ressurreição, esperança de quem crer. 

Wanderley Nunes.



[1] Dor: O quinto sinal vital, Blog Filosofia da mente e ciências cognitivas, http://filosofiadamenteecognicao.blogspot.com.br , acesso dia 30/04/2015, 14:16 h
[2] Eles não sentem dor, Super interessante. http://super.abril.com.br , acesso dia 30/04/2015, 14:41 h 
[3] Ec.11.8

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

O que nos frustra? (O sofrimento internalizado)



O que na verdade nos embaraça é a nossa cosmovisão, nossas esperanças e sonhos, os quais na verdade são episódios subjetivos e não fatos concretos. Decepcionamo-nos com nossas perspectivas mais do que com o fato em si, as vezes, nem fatos há, e sim sonhos, delírios de um ego que anela o inatingível, o inexistente.

Assim, concluímos que o sofrimento é gerado muito mais a partir das nossas internalizações do que de eventos exteriores a nós. Quando nos decepcionamos, nos frustramos, na verdade estamos nos decepcionando e frustrando, não com a pessoa ou situação que nos proporciona sentimentos dolorosos, e sim com a nossa perspectiva equivocada com relação a pessoas, situações e fatos.

É temerário basear a felicidade em bens materiais, conquistas das mais diversas ou em pessoas. Calligaris, Doutor em psicologia, fala de “conceito de bem estar”, em lugar do termo felicidade. Para ele, nenhum desejo satisfaz o homem plenamente, embora, de forma errônea, achemos que a felicidade esteja na consecução dos nossos sonhos e desejos mais íntimos.

Bem antes de Calligaris, o livro de Eclesiastes já apontava para o engano de se procurar a felicidade em coisas externas a nós.

Resolvi no meu coração dar-me ao vinho, regendo-me, contudo, pela sabedoria, e entregar-me à loucura, até ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens debaixo do céu, durante os poucos dias da sua vida. Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas.
Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie. Fiz para mim açudes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores. Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possuí bois e ovelhas, mais do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém.
Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias; provi-me de cantores e cantoras e das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres. Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém; perseverou também comigo a minha sabedoria.
Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas. Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol. [1]

O que Calligaris diz é similar ao que é relatado em Eclesiastes. O desejo realizado perde o sentido. As vezes, se deseja muito um bem, uma viagem, um homem, uma mulher, ou qualquer outra coisa. A concretude desses sonhos, em si mesmos, não tem condição de proporcionar a felicidade, na verdade, são instrumentos ilusórios dessa busca.

Do mesmo modo, como o empreendedor registrado em Eclesiastes reagiu ao chegar na conquista daquilo que desejava, assim agimos com as nossas realizações. Ao realizar ou conquistar algo, segue-se a euforia, logo depois o tédio, para então, a busca do próximo feito.

É muito importante ter uma definição de quem somos, onde queremos chegar e quem são aqueles que nos rodeiam. Nunca esperando demais do outro, pois quem espera muito do outro, tem geralmente muito pouco em si. Então, simplesmente viva, ame, compreenda se possível, perdoe se puder, chore quando necessário, divirta-se sempre, sorria para o mundo. Seja você mesmo, mas não esqueça de ser… humano. 


Wanderley Nunes


[1] Eclesiastes 2.3-11